J. KRISHNAMURTI

QUE ESTAMOS A PROCURAR?

"...enquanto não me conhecer a mim mesmo, enquanto não estiver atento ao processo total de mim mesmo, não tenho base para o pensamento, para o afecto, para a acção.
Mas essa é a última coisa que queremos: conhecer-nos a nós mesmos. Ela é porém a única base sobre a qual podemos constuir. Mas, antes de podermos construir, antes de podermos transformar, antes de podermos condenar ou destruir, temos de saber o que somos."

Como encontrar o nosso caminho ?

Como encontrar o nosso caminho através desta abundância de possibilidades? Trungpa Rinpoché, em resposta a uma pergunta sobre como encontrar um professor e um caminho próprios, disse: “Talvez seja melhor seguir o pretexto do acaso”. Lemos, exploramos, tropeçamos, experimentamos, somos conduzidos, e de certa forma ligamo-nos – de diversas formas para cada um de nós – com um professor particular ou uma prática que nos inspira. Há um certo mistério em relação ao processo de encontrar o nosso próprio caminho, embora quando olhamos para trás, para a nossa viagem espiritual, parece muitas vezes que sempre houve uma ordem subjacente ao longo de todo o percurso. Precisamos simplesmente de confiar na integridade da nossa busca. Tudo se segue a partir daí. Saberemos quando a ligação está presente.

William Blake

“Ver o mundo num grão de areia

e o paraíso numa flor silvestre,

segurar o infinito na palma da mão

e a eternidade numa hora.”

William Blake

Emily Dickinson

"Nunca vi um campo de urzes,
Nunca vi o mar;
Mas sei como as urzes são
E posso as ondas imaginar.
Nunca falei com Deus
Nem visitei o céu;
Mas estou certa de que existe esse lugar
Como se tivesse um mapa nas mãos."

pequeno principiante de meditação

Meditação Cristã

A meditação também faz parte da tradição cristã, embora tenha se distanciado dos fiéis ao longo dos séculos.

Durante séculos, desde o tempo dos primeiros monges católicos (entre 300 e 600 d.C.), a meditação fez parte do cristianismo. Era chamada de oração do coração ou, ainda, de oração centrante ou perpétua. Mas, dentro da tradição cristã, quase não se usava o termo “meditação” para designar essa prática contemplativa. Na linguagem cristã, meditação está mais relacionada com a reflexão e análise. Ou seja, é um sinónimo de pensamento, e isso pode causar enganos. Muitas igrejas – evangélicas, na maioria – anunciam grupos de meditação cristã, onde se estudam racionalmente textos bíblicos. Já os grupos que utilizam a oração como exercício meditativo estão mais ligados à Igreja Católica e à Ortodoxa, que sempre preservou essa prática entre padres e monges. Trata-se de uma tradição perdida para os leigos no correr dos séculos e só recentemente recuperada.

Há livros muito antigos que descrevem a meditação cristã, como Conferências de Abba Isaac, do século 5. Foi escrito por João Cassiano, jovem buscador que abandonou livros e manuscritos para ir atrás dessa sabedoria. Num monastério longínquo, conheceu o abade Isaac. O velho religioso, que seguia a tradição dos primeiros monges cristãos, descreve com detalhes como rezar – e, mais uma vez, lá está uma descrição clara da meditação: " Talvez surjam pensamentos errantes na minha alma, como o borbulhar da água que ferve, e eu não possa controlá-los nem oferecer preces sem ser interrompido por imagens tolas." Mas, em seguida, vem a solução: “Preciso dizer então: "Deus, vinde em meu auxílio. Senhor, socorrei-me sem demora". Com a repetição dessa frase, conta o abade Isaac, "a mente se eleva ao múltiplo conhecimento de Deus, e daí em diante se alimentará dos mistérios mais sublimes e sagrados".

Por ironia, foi preciso um mergulho no Oriente para que os cristãos voltassem às raízes. Um dos primeiros desbravadores foi Thomas Merton (1915- 1968), monge trapista nascido na França, filho de artistas e criado na Inglaterra e nos Estados Unidos. Amigo de filósofos e escritores, Merton foi várias vezes à Ásia e não tinha medo de confrontar suas crenças ao budismo ou ao hinduísmo. Seus livros, em que destaca as práticas contemplativas, fizeram sucesso na primeira metade do século 20. Seguindo seus passos, o monge beneditino John Main também se perguntou se dentro do cristianismo não existia algo parecido com a meditação e acabou descobrindo o passado de sua própria religião. Em 1975, fundou a Comunidade Mundial de Meditação Cristã, atualmente em mais de 50 países. O movimento hoje é comandado pelo beneditino dom Laurence Freeman, ex-jornalista dedicado ao diálogo inter-religioso – é dele o livro O Dalai Lama Fala de Jesus.

Aliás, a abertura a outras religiões pode ser uma das consequências das práticas contemplativas. “A experiência mística une as religiões porque se refere a um sentimento comum a toda a humanidade. A doutrina, a razão, separa”, acredita o padre e filósofo alemão James Heisig, que vive há 20 anos no Japão, onde fundou um instituto que estuda o budismo zen e o cristianismo.

Para quem quer começar
O método abaixo é adoptado pela Comunidade Mundial de Meditação Cristã. Não é a única prática espiritual cristã que envolve meditação, mas é muito boa para quem quer começar.

1 Sente-se numa cadeira com a coluna reta, mas sem tensão. Deixe a cabeça alinhada com a coluna.
2 Retraia ligeiramente o queixo, o que ocasionará uma leve inclinação da cabeça.
3 Deixe os braços e mãos relaxados sobre as coxas.
4 Procure deixar o corpo descontraído, eliminando tensões.
5 Sinta o silêncio por alguns minutos.
6 Inspire e repita mentalmente a palavra “ma-ra-na-ta” (“Vinde, Senhor”), em quatro tempos: na primeira inspiração, diga “ma”; durante a expiração, fale “ra”; na segunda inspiração, diga “na”, e na expiração, “ta”.
7 Procure centrar seu pensamento nas palavras e volte a elas toda vez que estiver distraído. Comece meditando por 5 minutos e chegue até 20 minutos, pelo menos duas vezes por dia, ao levantar e ao dormir. A prática também pode ser feita durante as atividades do dia. Muitos preferem se ligar a um grupo de meditação – sozinho é mais difícil manter a disciplina
.
texto retirado daqui

O Padre John Main, OSB, recomendava o uso da palavra "Maranatha" porque é uma das mais antigas palavras-oração na tradição cristã. Ela encontra-se ao final da primeira carta de São Paulo aos Coríntios, assim como ao final do Apocalipse de São João. É uma palavra aramaica, a língua que Jesus falava, e significa "Vem, Senhor. Vem, Senhor Jesus" ou "O Senhor vem". Entretanto, no tempo de meditação não deverá pensar no significado da palavra - isto seria uma distração. Se quaisquer pensamentos disputarem sua atenção, simplesmente retorne à recitação simples e fiel da palavra: Ma-ra-na-tha.

Uma leitura Zen de Ulisses de Joyce por Amy Hollowell

Shikantaza no rio Liffey

Ulisses de James Joyce, publicado pela primeira vez em 1922 numa edição limitada em Paris, é geralmente reconhecido como uma das maiores (se não a maior) obras em prosa do Século XX na língua inglesa. É reconhecido como uma obra de arte, uma magnífica obra-prima literária, um monumento modernista, e no entanto, tal como Stuart Gilbert escreveu em 1930 no seu marcante estudo do livro, “embora Ulysses seja provavelmente o livro mais discutido do nosso tempo, o livro em si é para muitos pouco mais do que um nome.’’ Décadas mais tarde, num novo século e num mundo completamente diferente, cada vez mais materialista e imerso na era da informação, a observação de Gilbert é ainda relevante, e talvez ainda mais pertinente hoje do que nunca.

Ulisses é o registo de um dia comum, o dia 16 de Junho de 1904, em Dublin. O “herói” deste dia comum é um homem comum, Leopold Bloom, e o livro é o “épico” do seu dia comum em toda a sua pequena e gloriosa banalidade. Bloom é um homem qualquer a viver tudo. Realmente tudo! O método de Joyce não deixa nada de fora; este é um espectáculo da totalidade da vida. Neste relato abrangente do dia de Bloom, tudo está ao mesmo nível; para o artista, um facto não tem mais valor do que outro. Ao testemunhar tudo o que surge, Joyce pratica a equanimidade perfeita quando representa os seus personagens tais como eles são. Um antigo mestre Zen exclamou: “Que belos flocos de neve! Eles não caem num outro lugar.” De igual modo, quando lhe perguntaram numa entrevista por que o pai de Bloom era húngaro, Joyce respondeu, “Porque o é!” Joyce retrata a vida como um todo integrado e coerente, em que cada detalhe é visto tal como é, no seu lugar.

Pode ser dito que a premissa espiritual do livro é uma aceitação total da vida, uma noção fundamentalmente budista. De facto, uma prática essencial do Zen japonês é aquilo a que se chama shikantaza, que significa literalmente “somente-sentar” ou “só sentar.” É uma prática que não utiliza nenhum suporte meditativo — nenhum mantra, nenhum objecto de concentração, nenhuma técnica — e que é caracterizada por uma intensa e não-discursiva atenção. Pode ser simplesmente definida como testemunhar a totalidade da vida. O autor de Ulisses, um irlandês de meia-idade exilado numa Europa do início do Século XX desfeita pela selvajaria da guerra, estava de acordo com o Terceiro Patriarca do Zen, o qual escreveu, muitos séculos atrás na China antiga, “O caminho perfeito não é difícil para os que não têm preferências.” Ele também dá eco a outro provérbio tradicional do Zen: “O dharma é igual, sem alto, nem baixo.”

Este é o caminho perfeito de Joyce e de Bloom, e como tal a obra de Joyce é eminentemente Oriental. A ordinaridade de Bloom é a do “verdadeiro homem sem um papel definido” do Mestre Rinzai. Bloom, tal como Whitman, tal como cada um de nós, contém multitudes. E ele, tal como todos os seres e todas as coisas, não tem limites, está em constante fluxo, fluindo interminavelmente, como o rio Liffey através de Dublin para o mar.

Joyce também quebra as nossas noções limitadas de tempo e de espaço, representanto o momento presente de cada momento, num dia específico numa cidade particular. “Segura-te ao agora, ao aqui, através do qual todo o futuro mergulha no passado,’’ diz o outro personagem masculino principal, Stephen Dedalus. De facto, nós seguimos Bloom, Stephen e os seus companheiros de Dublin (“Dubliners”) ao longo da cidade, ao longo de uma Quinta-Feira ao mesmo tempo única e ao mesmo tempo igual a outra qualquer. Joyce dá-nos unidade de tempo e de espaço, apresentando somente o aqui e agora de cada aqui e agora sempre em mudança — de hora a hora, da manhã até ao meio-dia até à noite, do quarto para a casa-de-banho para a cozinha para o escritório para o cemitério para a borda do mar para o “pub” para o bordel, e de volta outra vez ao quarto e à cama.

Como Homero antes dele, Joyce escolhe como tema a odisseia de um herói em viagem. Mas o “herói” de Joyce é supremamente humano, excepcionalmente mediano, manifestando a grandiosidade sem pretensões da bondade básica. Joyce dá-nos os heroísmos quotidianos de um homem num só dia. Recorda-nos Bodhidharma, um homem comum perante o imperador da China, proclamando que não há mérito, que nada é sagrado. Joyce gostava de observar que a magnificamente bela Helena, pela qual os grandes exércitos da antiga Grécia se batiam, estava velha e com rugas quando a Guerra de Tróia finalmente terminara.

Tal como Shakespeare, Joyce pega no material da experiência comum e, com os seus meios hábeis, tece juntos os fios aparentemente díspares numa seleccionada tapeçaria da vida, tal como ela é. Cada episódio tem um tempo, cor e parte do corpo correspondentes — o livro está vivo, o Corpo Uno do universo interdependente incarnado — e os 18 episódios estão inter-conectados por temas, eventos, pensamentos, canções, partes de frases, imagens, objectos, e lugares comuns. As vidas das personagens estão igualmente inter-conectadas de mil óbvias e subtis maneiras.

Joyce é bem sucedido, também, em fazer do estilo e do assunto uma só coisa; a “forma” da sua criação, e a miríade de formas de linguagem e de estilo utilizadas, manifestam a interminavelmente aberta, sempre-em-mudança, natureza de toda a vida. Os estilos literários, tal como identidades, aparentemente, não são fixos. A revolucionária utilização de Joyce daquilo que veio a ser conhecido como o monólogo interior, traz o interno para fora e o externo para dentro, permitindo fazer do corpo e da mente uma coisa só. Em estrutura e assunto, Ulisses funciona em tríades, cada grupo de três (episódios, personagens, etc.) incorporando dois “opostos” e a sua unidade, como duas bases de um triângulo e o vértice. De igual modo, através da representação inflexível da diversidade de Joyce, a unidade subjacente é revelada.

Inúmeros temas permeiam Ulisses, e diferentes leitores irão encontrar temas diferentes. Assim é qualquer leitura de qualquer uma das obras de Joyce, microcosmos infinitamente complexos do vasto universo. Contudo, existe sem dúvida um tema central em Ulisses. No início do livro, Stephen Dedalus pergunta-se: “Qual é a palavra que todos os homens conhecem?” e ele erra o dia todo pela cidade à procura da resposta, sem ver que esta está sempre ali, perante ele. Noite dentro, Bloom, num acto de verdadeira compaixão, irá finalmente prover-lhe a resposta.

O Ulisses de Joyce, tal como a Odisseia de Homero ou a Divina Comédia de Dante, pode ser lido como uma “alegoria das errâncias da alma”, a viagem ao longo do caminho do despertar. Na fábula de Joyce, a vida é um processo infinitamente rico de movimento no sentido da reconciliação (ou re-união com o verdadeiro ser de cada um), um retorno à verdadeira natureza de cada um, um desvelar da face original de cada um (antes dos pais terem nascido), um tornar completo, sendo um — íntimo — com todas as coisas, aqui e agora. Ler Ulisses é viajar pelo caminho do meio, onde estamos libertos de identidades fixas e limitadas, e de ideias e posições fixas. É ver as coisas tais como elas são, a nu, abertamente. É aqui que o relativo e o absoluto, como diz o cântico tradicional Zen, se juntam como uma caixa e a sua tampa. Sim: é esta a aventura Joyceana.
Texto retirado daqui

84000 caminhos no Budismo

"Diz-se que no Budismo existem 84000 caminhos para alcançar o despertar,ou tal como reza o poema escrito por um myokonin japonês(1):

84000 enganos
84000 luzes
84000 prazeres transbordantes

Diante de 84000 maneiras de nos enganarmos e auto-submetermos, de permanecer na ignorância e no sofrimento, o budismo oferece 84000 luzes ou modos de iluminar a nossa mente, 84000 formas de despertar para a realidade, ou seja, para o prazer natural de uma vida plena e livre de obstáculos. E aí, portanto, 84000 alívios, 84000 iluminações, 84000 nirvanas. Este número é uma cifra simbólica que na Ásia equivale a "infinito". Há infinitas variações possíveis, infinito número de pessoas - sendo cada pessoa única, com as suas circunstâncias pessoais particulares e irrepetíveis - e, segundo o Budismo, para cada uma delas existe um caminho para extinguir o seu sofrimento, sair da ignorância e alcançar, nesta vida, o gozo da absoluta certeza de sentir-se livre, desperto e tão feliz como no paraíso."

(1) "Pessoa maravilhosa e exemplar", segundo a tradição do Budismo Shin, no qual não há mestres.

Tradução de Ama do livro " Que és el Zen?" - D.T. SUZUKI
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84000 enganos
84000 luzes
84000 prazeres transbordantes

O Budismo Shin nasceu dentro da tradição do Budismo da Terra Pura e interpreta o poema assim:

" Na medida que os nossos pensamentos, sentimentos e representações procedem de um ser finito, limitado e carregado de Karma, todos eles são enganos. Não é questão de isto ser certo ou falso, bom ou mau : é a nossa crua realidade. São um engano porque fazem-nos ver o mundo desde uma perpectiva egocêntrica, facto que costuma aparecer na nossa atenção consciente habitual. A nossa visão míope distorce a realidade; por tanto, aquilo que pensamos, fazemos e dizemos é invariavelmente defeituoso e deficiente, ainda que não o queiramos admitir.

(....) construímos um mundo com palavras e conceitos impregnados das nossas próprias emoções. Assim a nossa vida enche-se de polaridades tais como bom ou mau, gosto e não gosto, amor e ódio, branco e negro, meu e não meu, iluminado e não iluminado, e assim até ao infinito. Este é o mundo dos 84000 enganos.

Só nos dámos conta desta vida de constante invenção quando a nossa realidade é iluminada pela luz. Esta luz focaliza-se sobre cada um dos 84000 enganos, tornando-os transparentes e retirando-lhes todo o seu poder. No Budismo, a luz é um sinónimo de sabedoria, e esta luz não é senão o Buda da Luz Infinita (Amitabha). Esta luz, que não é crua, fria nem distante, mas sim suave, cálida e próxima, sente-se como um exercício vivo de compaixão. Aquele mesmo Buda é também chamado Buda da Vida Infinita (Amitayus). Na Ásia oriental, estes dois nomes uniram-se num só, Buda Amida, ganhando vida através del nembutsu, a pronunciação do Namu-Amida-Butsu.

Quando, por meio da virtude dessa luz compassiva, é-nos possibilitado darmos conta do engano, nesse momento somos tocados pela realidade, deixamos de estar perdidos ou confusos, com medo ou raiva, inseguros ou angustiados, não porque os ditos estados tenham desvanecido, mas sim porque revelam-se mais claramente, acolhidos e protegidos pela grande compaixão do Buda da Luz Infinita. Cada repetição de Namu-Amida-Butsu liberta-nos dos nossos enganos, ainda que Karmicamente unidos a eles. Esta libertação - inesperada, imerecida e inconcebível - é causa e motivo da celebração sem fim desta vida tão preciosa: 84000 prazeres transbordantes."

Tradução de Ama do livro "Shin O Buda da Luz infinita" de Dr. Taitetsu Unno.

PLURALISMO RELIGIOSO

"Esta interpenetração das sociedades, com as suas culturas e religiões, que estão presentes umas nas outras, interpenetrando-se adquirindo pluralismo religioso, é um fenómeno novo ( é novo já que ocorre em dimensões mundiais),e nesse sentido, acaba de começar. Não sabemos o que vai acontecer. Não sabemos como vai ser o homem e a mulher que serão as crianças que hoje crescem neste pluralismo religioso que veio para ficar. Todavia não podemos fazer as reflexões que faremos dentro de 30 anos, quando esta nova geração, nascida e crescida neste ambiente pluralista, tome a palavra e nos diga desde a sua experiência como entende o mundo, uma experiência que nós, os que nascemos e fomos configurados noutro ambiente não de PR, mas de singularidade cultural e religiosa, não podemos imaginar.

A humanidade,as mais de 800 gerações humanas que diz-se terem pisado este planeta, viveram sempre convencidas de que a realidade era de UMA forma determinda, a forma na qual a sua cultura e a sua religião eram descritas e apresentadas. No curso da presente geração, a Humanidade passa por uma situação que tem de contar com a presença próxima e permanente de todas as religiões e culturas chamadas 'universais', que tem de conviver competindo umas com outras na apresentação das suas ofertas de sentido."

J. M. Vigil

MADRE TERESA DE CALCUTÁ

" Se eu alguma vez vier a ser Santa - serei com certeza uma santa da 'escuridão'. Hei-de estar permanentemente fora do Céu - a iluminar os que na terra se encontram na escuridão. "
.
Vem, sê a minha luz

Inédita revelação da correspondência entre Madre Teresa e os seus superiores e confessores num período de 66 anos, este livro aproxima-nos da vida de uma das personagens mais marcantes do Século XX.


Nota: A fé diz-nos que Madre Teresa enganou-se num ponto: Depois de deixar este mundo, encontrou o céu, mas não nos abandonou. Deixou em escritos ( muitos só agora revelados) um forte testemunho que continua a iluminar, especialmente aqueles de nós, que se encontram perplexos na escuridão.

Ao ler as suas interrogações e recordar os esforços sobrehumanos do seu trabalho inexcedível com os "pobres dos mais pobres" temos ainda a surpresa inquietante de sondar a humanidade que há numa Santa desta dimensão.

TOLERÂNCIA

"A tolerância dá-nos um discernimento espiritual que está tão distante do fanatismo como o Polo Norte está do Sul. Verdadeiro conhecimento da religião derruba as barreiras entre uma fé e outra, e dá origem à tolerância. O cultivo da tolerância para com as demais crenças proporciona uma compreensão mais verdadeira da própria."

Gandhi

Mestre Dogen (1200-1253)

Na meditação tu próprio és o espelho que reflecte a solução dos teus problemas. O espírito humano tem liberdade absoluta no interior da sua verdadeira natureza. Podes atingir a liberdade intuitivamente. Não trabalhes para a liberdade, deixa que a prática seja ela mesma libertação.

Leonardo Boff

Ciência e Espiritualidade

É de Einstein a frase:"a ciência sem religião é manca, a religião sem a ciência é cega". Com isso queria dizer que a ciência levada até a sua exaustão termina no mistério que produz assombro e encantamento, experiência típica das religiões. A religião que não se abre a este mistério das ciências deixa de se enriquecer, tende a se fechar em seus dogmas e por isso fica cega. A ciência se propõe explicar o como existem as coisas. A religião se deixa extasiar pelo facto de que as coisas existem. O que é a matemática para o cientista é a oração para o religioso. O físico busca a matéria até a sua última divisão possível, os topquarks, chega aos campos energéticos e ao vácuo quântico. O religioso capta uma energia inefável, difusa em todas as coisas até em sua suprema pureza em Deus.

Ciência e religião se perguntam: O que se passou antes do Big Bang e do tempo? Muitos cientistas e religiosos convergem nesta compreensão: Havia o Mistério, a Realidade intemporal, no absoluto equilíbrio de seu movimento, a Totalidade de simetria perfeita e a Energia sem entropia.

Num " momento" de sua plenitude, Deus decide criar um espelho no qual pudesse ver a si mesmo. Cria aquele pontozinho, bilionesimamente menor que um átomo. Um fluxo incomensurável de energia é transferido para dentro dele. Aí estão todas as possibilidades. Potencialmente todos nós estávamos lá juntos. De repente, tudo se inflacionou e depois explodiu. Surgiu o universo em expansão. O Big Bang, mais que um ponto de partida, é um ponto de instabilidade que no afã de criar estabilidade, gera unidades e ordens cada vez mais complexas como a vida e a nossa consciência.

O Princípio de auto-organização do universo está agindo em cada parte e no todo. Neste universo tudo tem a ver com tudo, formando uma incomensurável rede de relações. Deus é a palavra que as religiões encontraram para esse Princípio, tirando-no do anonimato e inserindo-no na consciência. Para defini-lo não há palavras. Por isso, é melhor calar do que falar. Mas se tudo é relação, então não é contraditório pensar que Deus seja também uma relação infinita e uma suprema comunhão.

Ora, esta idéia é testemunhada pelas tradições religiosas. A experiência judaico-cristã narra continuamente as relações de Deus com a humanidade, um Deus pessoal que se mostra em três Viventes: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O ser humano sente esta Realidade em seu coração na forma de entusiasmo (filologicamente significa ter um deus dentro). Na experiência cristã, diz-se que Ele se acercou de nós, fez-se mendigo para estar perto de cada um. É o sentido espiritual da encarnação de Deus em nossa miséria.

A ânsia humana fundamental não reside apenas em saber de Deus por ouvir dizer, mas em querer experimentar Deus. Atualmente, seria a ecologia profunda, a que cria o melhor espaço para semelhante experiência de Deus. Mergulha-se então naquele Mistério que tudo penetra e tudo sustenta.

Mas para aceder a Deus, não há apenas um caminho e uma só porta. Essa é a ilusão ocidental, particularmente das igrejas cristãs, com sua pretensão de monopólio da revelação divina e dos meios de salvação. Para quem um dia experimentou o Mistério que chamamos Deus, tudo é caminho e cada ser se faz sacramento e porta para o encontro com Ele. A vida, apesar de suas muitas travessias e das difíceis combinações da dimensão dia-bólica com a simbólica, pode então se transformar numa festa e numa celebração. Ela será leve, porque carregada da mais alta significação.

Respirar com naturalidade - Parte II

H. Ribera elaborou, no seu estudo "Errando para um sentido", uma síntese de cinco níveis de consciência: sensorial, individual, pessoal, cósmica e eterna.
Sistematizou cinco estádios de crescimento, expressando-os como dependência, independência, interdependência,comunhão e solidariedade universal. Estes cinco estádios de crescimento equivalem a cinco níveis da vida humana: pré-individual ou massificada, individual ou autoafirmada, interpessoal ou relacionada, transpessoal ou expandida, e transtemporal ou transformada.
No primeiro estádio, ou de vida massificada, fica dissimulada a pergunta para se chegar a ser a si próprio, e não se sai da opacidade.
No segundo, da vida individualizada, a afirmação de si encerra-se num eu que impede, por excesso de egoísmo, chegar ao autêntico de si mesmo.
No terceiro, da vida relacionada, a pessoa abre-se e alarga o horizonte de si mesmo, saindo de si para outras pessoas.
No quarto, da vida expandida cosmicamente, aumenta a amplitude do horizonte da saída de si, extendendo o eu próprio para o universo inteiro.
No quinto, da vida transformada, ocorre o que o místico Eckhart formulava dizendo que, quanto menos alguem é, mais Alguem há.

Juan Masiá, SJ em "El otro Oriente - Más allá del diálogo"

Respirar com naturalidade - Parte I

O filósofo que se questiona o quê ou quem é o ser humano, tem algo em comum com o psicoterapeuta, que tenta ajudar outro ser humano ajudar-se a si mesmo a encontrar-se. Ambos coincidem em iluminar um caminho que nunca se acaba de percorrer e ao mesmo tempo convidando a caminhar por ele; mas percorre-lo depende de cada um.

Escreve atinadamente Hermam Hesse na introdução do seu romance DEMIAN:
" A vida de um indivíduo é uma caminhada em direcção a si mesmo, a procura de um rumo, o esboçar de um trilho. Jamais alguem, em momento algum, conseguiu tornar-se coerente com o seu interior; contudo, todos aspiram a alcançar essa harmonia. Quer a procurem com menor habilidade, quer persigam esse ideal com perspicácia, cada qual realiza-o conforme pode, mas todas as pessoas arrastam consigo e até ao fim restos do seu nascimento, mucos e membranas de um mundo primevo. Há quem nunca chegue a tornar-se num ser humano e permaneça rã ou lagarto ou então formiga. Há quem seja pessoa por cima e peixe por baixo. No entanto, cada indivíduo é uma criação da natureza em ordem ao homem. Procedemos de uma só origem - a mãe - e provimos da mesma embocadura; mas, seja qual for a pessoa, ela procurará elevar-se do abismo em direcção ao seu destino. Sabemos entender-nos mutuamente, mas somente cada qual tem capacidade para interpretar a sua própria vida."

Juan Masiá, SJ em "El otro Oriente - Más allá del diálogo"

Domingos Cunha


Meditação Cristã – uma oração integradora
Autor: Domingos Cunha, CSh

NOVA OBRA INTRODUZ E ENCORAJA AS PESSOAS À PRÁTICA DA MEDITAÇÃO

Em um mundo onde as pessoas vivem apressadas, estressadas, bombardeadas de informações a todo o tempo e de todos os lados, a busca por um momento de paz e descanso se faz cada vez mais necessária. Reabastecer-se de energias positivas tem sido a busca de muitas pessoas, que aproveitam para, por meio da oração, relaxar e elevar-se espiritualmente.
Meditação Cristã – uma oração integradora é o lançamento que certamente impulsionará o leitor a adotar essa prática diária de união e intimidade com Deus, além de trazer paz e tranqüilidade à alma. Conforme afirmou Dostoievski, “todo homem carrega dentro de si um vazio do tamanho de Deus”. A presente obra, justamente, vem ao encontro daqueles que desejam preencher esse vazio.

Resgatar e difundir o significado da meditação cristã foi a missão do monge inglês John Main, nascido em Londres em 1926. Pertencente à Ordem de São Bento, ao estudar os escritos do monge João Cassiano (séc. IV) e de outros contemplativos conhecidos como “Padres e Madres do deserto”, ele descobriu a conecção entre a repetição e interiorização de frases ou versículos da Bíblia — presente na tradição monástica cristã — e a forma de meditação que aprendera no Oriente, por ocasião de sua experiência espiritual na Malásia com um swami (monge indiano), quando ainda não era religioso beneditino.
Graças à profundidade e à riqueza dessa maneira de rezar, os adeptos da meditação cristã foram crescendo e, hoje, há vários centros de Meditação Cristã e grupos de oração semanal em diversas partes do mundo. Após a morte de Dom John Main em 1982, outro beneditino inglês, Dom Laurence Freeman tornou-se o seu sucessor e começou a viajar por todo o mundo, ensinando a meditação por meio de retiros, palestras e encontros de oração.

De maneira simples e completa, Domingos Cunha, introduz o leitor à fascinante realidade da meditação. Ao longo dos quatorze capítulos que constituem o livro, Cunha começa apontando a necessidade da oração, os significados do termo “meditação” e também um pouco da história da oração monástica e também a importância de alguns escritos que surgiram das experiências espirituais e místicas de personagens importantes da Igreja.
Após constatar os preciosos esclarecimentos a respeito da diferença entre meditação e reflexão, o que é peculiar à meditação cristã e à meditação oriental, as dificuldades que o praticante encontrará e os frutos desta prática, o leitor certamente se sentirá impelido a provar a meditação cristã em sua vida e testemunhar sua experiência.
“A meditação se configura como um tipo de oração que integra as várias dimensões da pessoa: física, energética, emocional, psíquica, racional, espiritual (...) Sem dúvida, é um jeito de rezar muito significativo para o nosso tempo, que anseia por perspectivas mais holísticas na compreensão do ser humano”, afirma Domingos Cunha.

Domingos Cunha, padre da comunidade Shalom, nasceu em Portugal em 1963 e chegou ao Brasil em 1985. Completou os estudos teológicos no Instituto Teológico-Pastoral do Ceará (ITEP), onde foi coordenador do curso propedêutico e professor de Mistério de Cristo, atualmente assume as matérias de teologia da vida religiosa e espiritualidade. Ordenado sacerdote em 1988, tem dedicado sua vida preferencialmente à evangelização da juventude, assessorando cursos e outros encontros nas áreas de formação humana, de vivência e aprofundamento da fé, de ecologia e de capacitação técnica e pedagógica na linha da educação libertadora no Ceará, em Minas Gerais e em Portugal.

Quem tem vergonha de falar de perdão?

Evangelho segundo S. Mateus 18,21-35.

Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Por isso, o Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. Logo ao princípio, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar a dívida. O servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: 'Concede-me um prazo e tudo te pagarei.’ Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: 'Paga o que me deves!’ O seu companheiro caiu a seus pés, suplicando: 'Concede-me um prazo que eu te pagarei.’ Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros, contristados, foram contá-lo ao seu senhor. O senhor mandou-o, então, chamar e disse-lhe: 'Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?’ E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.»

Comentário ao Evangelho feito por São João Crisóstomo (c. 345-407),
Homilias sobre S. Mateus, nº 61

«Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6,12)
Cristo pede-nos portanto duas coisas: que condenemos os nossos pecados, que perdoemos os dos outros; que façamos a primeira coisa por causa da segunda, a qual nos será então mais fácil, pois aquele que pensa nos seus próprios pecados será menos severo para com o seu companheiro de miséria. E devemos perdoar não por palavras apenas, mas «do fundo do coração», para que contra nós não se vire o ferro com que pensamos bater nos outros. Que mal te pode fazer o teu inimigo, que seja comparável àquele que a ti próprio fazes? […] Se te deixas chegar à indignação e à cólera, serás ferido não pela injúria que ele fez contra ti, mas por esse teu ressentimento.

Portanto não digas: «Ele ultrajou-me, caluniou-me, fez-me coisas miseráveis.» Quanto mais disseres que te fez mal, mais mostras, afinal, que te fez bem, pois deu-te ocasião para te purificares dos pecados. Assim, quanto mais ele te ofender, mais te põe em estado de obteres de Deus o perdão para as tuas faltas. Porque, se nós quisermos, ninguém nos poderá prejudicar; e até os nossos inimigos nos prestarão assim um grande serviço […] Considera portanto a vantagem que retiras das injúrias, se as sofreres com humildade e mansidão.

Juan Masiá

Juan Masiá é um Teólogo Jesuíta, Professor de Ética da Universidade Sophia (Tóquio) desde 1970, ex-Director da Cátedra de Bioética da Universidade Pontifícia Comillas em Espanha, assessor da Associação de Médicos Católicos do Japão. É tambem investigador do Centro de Estudos sobre a Paz da Secção japonesa da Conferência Mundial de Religiões pela Paz (WCRP).
É autor de vários livros entre os quais "A Sabedoria do Oriente", "Do Sofrimento à Felicidade" e "Tertúlias de Bioética" e um profundo conhecedor da espiritualidade oriental.
Aqui ficam algumas das suas ideias retiradas de uma entrevista que concedeu à TSF em Julho de 2007.

"O tema da evangelização e da missão está a passar por uma mudança decisiva. Eu trabalho com budistas e pessoas de outras religiões e temos um conceito de missão que não significa que eu converta os outros à minha religião, mas que as outras religiões e eu com eles, embarquemos numa nova missão que é ajudar o mundo a despertar para a religiosidade e para a espiritualidade. Dei um curso de introdução, não ao cristianismo mas à religiosidade, com budistas e pessoas de outras religiões. E nesse curso nenhum de nós tentou fazer proselitismo da sua própria religião. O que se torna necessário é que as religiões se unam para colaborar no despertar do mundo para a religiosidade e para a construção da paz e da justiça, a começar pela comunidade local. É uma noção de missão completamente diferente da tradicional."

Sobre a sua missão no Japão:
"Que os japoneses e eu nos convertamos ao mistério que nos ultrapassa a todos. É isto que o Vaticano não entende. Não vamos convertê-los ao cristianismo mas que eles e nós nos convertamos! Chame-se Deus, chame-se Buda, chame-se... aquilo a que nenhum de nós se converteu ainda. Isto é um enfoque muito mais radical da missão e da conversão. Se presumimos que já temos o campo conquistado isso é falar com o tom de segurança que utiliza a Congregação da Doutrina da Fé, no documento Dominus Iesus a propósito da salvação. Esse é o esquema que a nós, os que estamos no Japão, não nos diz nada."

Relativamente ao recente e polémico documento do Vaticano que afirma que a Igreja Católica é o exclusivo lugar de salvação diz:
"Muito simplesmente, nem esse documento nem a Dominus Iesus são admissíveis. Creio que, em consciência e em fidelidade ao Evangelho, é preciso rejeitá-los e dizer – já chega! – com toda a clareza. Há bispos que pensam assim, mas não se atrevem a dizê-lo. Mas é preciso dizê-lo sem medo ainda que incomode. Começam a produzir-se documentos nesta linha e o povo crente olha para eles como se tudo fosse dogma de fé porque vem de Roma. É preciso ensinar o povo a ser adulto, e que não comungue, como se diz em castelhano, com rodas de moinho. Monopolizar o Espírito Santo é muito sério. Diria que nenhuma espiritualidade tem o monopólio do sagrado. Nenhuma religião tem o monopólio do divino. E nenhuma Igreja cristã tem o monopólio do Espírito de Vida. O Espírito Santo diz-nos a todos: já chega de monopolizar-me! Então convida-nos a sair do exclusivismo, do fundamentalismo, a admitir o pluralismo e a perder o medo do relativismo. O Espírito Santo é o único que não muda na Igreja. O Espírito é quem nos faz mudar continuamente...."

E num discurso marcadamente ecuménico e generoso confia ainda que:
"Que o Espírito de vida permanece na Igreja católica, claro que sim, apesar de a Igreja católica, que somos todos nós, atraiçoar muitas vezes o Espírito. E permanece também em todas as Igrejas irmãs, e em todas as religiões irmãs. E, tanto nós como as outras Igrejas e Religiões somos essa mistura de autenticidade do sopro do Espírito e de inautenticidade da nossa fragilidade, da nossa debilidade humana."

Teresa de Jesus e El Greco



Se quisermos obter uma ideia sobre a mística de Teresa é preciso que lancemos um olhar não para os teólogos, mas para a arte de El Greco. Teresa não exerceu nenhum influxo sobre este artista, mas a arte dele oferece um admirável paralelismo com a mística de Teresa. As figuras mais assombrosas de El Greco nasceram em Toledo, apenas algumas quadras distantes da casa onde Teresa residira naquele tempo durante meio ano. El Greco e Teresa nunca se encontraram pessoalmente; não possuímos nenhuma referência a um colóquio entre os dois. Não obstante, as pinturas flamejantes, metafísicas de El Greco exprimem, em misteriosas cores, o que Teresa revestiu em palavras. Numa e noutro o ser humano se dilui num gesto que tende para o céu, transformado que foi numa chama viva, anunciando uma realidade supra-racional.



As pinturas de El Greco não podem ser comparadas com as pinturas dos grandes artistas espanhóis; somos tentados a dizer que não procedem do atelier de um pintor. Elas procedem de um país mais distante, desconhecido, e são, como as palavras de Teresa, visões deslumbrantes de uma alma estática. Por isso actuam sobre o contemplador como um apelo supra mundano, pedindo uma resposta. Durante séculos os historiadores da arte menosprezaram as pinturas de El Greco, eram pinturas bastardas, demonstrando assim, a mesma incompreensão da teologia da Inquisição em relação a Teresa.
























As figuras estáticas e distendidas de El Greco transcendem intencionalmente a realidade comum, ostentando febrilmente os seus êxtases, não muito diferentes dos de Teresa de Jesus. Artista e monja falam a mesma linguagem da mística, uma linguagem que o pensamento pragmatista não é capaz de entender, porque nada sabe da eternidade.
Não foi por acaso que ambos foram declarados "loucos" pelo homem mediano. Teresa e El Greco viveram uma realidade mística voltada para o céu e interpretavam a partir dali os acontecimentos terrestres.

Teresa de Jesus - 2



Teresa fez da mística o tema principal de suas obras, razão por que se tornou "um marco na história da mesma". A vida mística não foi para ela apenas teoria e, correspondentemente, também não escreveu tratados. Muito sabiamente ela dizia da mística: "Como se há de entender isto, não o sei; justamente este não-entender é que me causa grande alegria". Naturalmente, Teresa tinha conhecimento da teologia mística, visto que por vezes fez referências a ela; mas, examinando mais de perto a questão, para ela sempre se tratava da experiência. Defendeu uma mística expressamente vivencial e nunca lhe interessaram meras afirmações teológicas. Não se baseou em teorias, mas descreveu suas próprias experiências. Sem experiências particulares não existe vida espiritual genuína. Só a prudência não basta. Teresa não excluiu a reflexão; assinalou-lhe, porém, apenas o segundo lugar. Mística significava para ela, em primeira e última linha, experiência de Deus, que lhe coube em dom durante a oração. É nisto que consiste a credibilidade de seus escritos.

"É preciso que te busques em mim e a mim em ti" cantava Teresa; na autobiografia, o Senhor lhe disse: "Não procures encerrar-me em ti. Encerra-te em mim!" Nesta advertência significativa, documenta-se a conversão carmelitana. Quem está ocupado consigo mesmo, quem se fixa constantemente sobre a própria pessoa encontra-se numa rotina infindável. Não se deve procurar a Deus no minúsculo eu, mas inversamente, o homem deve encontrar-se em Deus; com isto supera o subjectivismo em todos os seus matizes. A conversão do eu a Deus é uma ajuda maior do que pode oferecer qualquer psicologia. Se entra na presença de Deus e vive nela, a alma do homem torna-se diáfana e luminosa. Por isso, a mística de Teresa não se movia na onda de sentimentos alternados, mas consistia no cumprimento da vontade divina; tinha, por conseguinte, chão firme por sob os pés. "O mais alto grau da perfeição, evidentemente, não consiste em consolações interiores e em sublimes arrebatamentos místicos, nem em visões e no espírito da profecia, senão unicamente nessa conformidade de nossa vontade com a vontade divina". Como todos os místicos, Teresa usou certas parábolas para descrever o indescritível. A mística acha-se vinculada a uma linguagem de figuras e não a conceitos. O seu conteúdo é uma "história de amor" com Deus. Teresa comparou a alma com um castelo com diferentes moradas. Costumava dizer que no nosso interior temos um mundo.

Admirável é o conhecimento inteiramente extraordinário que ela tem da alma. Em todas as épocas, os homens reflectiram sobre a alma, a começar pelo obscuro filósofo Heráclito de Éfeso: "Vai e não acharás as fronteiras da alma, mesmo que andes por todas as estradas; tão profunda é a sua natureza", até a Realidade da alma de C. G. Jung, cujos conceitos se transformaram em lugares-comuns. Teresa conhecia tudo isto de maneira diferente; talvez se possa afirmar que ela o sabia até de maneira mais grandiosa e expressiva. Para Teresa, o importante era a alma; tomar consciência de sua alma foi uma de suas experiências mais profundas. Nos tempos modernos, o homem corre o risco de perder a sua alma e, justamente por esta razão, Teresa adquire uma grande actualidade. Ela fez a experiência do maravilhoso da alma. E isto causou-lhe uma profunda admiração. Lendo seus escritos, chegamos a conhecer algo do mistério da alma, e doravante não é mais possível ignorá-la. No pensar de Teresa, a alma compreende muito mais do que comumente imaginamos. Porém, "o progresso da alma não está no muito reflectir, mas no muito amar". De acordo com esta compreensão profunda, o mais importante para a vida mística não é a reflexão, mas o amor. Para Teresa é importante o amor a Deus; para ela, a mística não consiste em especulações filosóficas. Quanto mais uma pessoa ama, tanto mais abrangente se torna sua alma. Teresa opunha-se decididamente a uma uniformização da alma. "Como no céu há muitas moradas, assim também há muitos caminhos que levam a ele".
(Extraído da obra "Teresa de Ávila – Teresa de Jesus", de Walter Nigg, Ed. Loyola)

Teresa de Jesus - 1

Teresa de Ávila ou Teresa de Jesus (Gotarrendura, 28 de março de 1515 — Alba de Tormes, 4 de Outubro de 1582) foi uma religiosa e escritora espanhola, famosa pela reforma que realizou no Carmelo e por suas obras místicas.

Teresa não foi a primeira mulher que teve experiências místicas. Antes dela, Hildegard de Bingen, Mechtild de Magdeburgo, Catarina de Sena e mais algumas outras conheceram-nas igualmente por experiência própria e nos deixaram o relato das mesmas em seus escritos. No caso da grande Teresa, porém, a situação era muito diferente. Da sua parte, ela não sentia nenhuma necessidade para assentar por escrito as coisas experimentadas. Não tinha ambições de escritora, nem pensava em manifestar externamente o que se havia passado no seu interior.

Pelo contrário, foi o confessor que lhe ordenou escrever as suas experiências. Ela o fez a contragosto e julgava que deviam deixá-la tocar sua roda de fiar, visitar a capela e observar a regra, como o faziam as outras monjas, já que não tinha talento para escrever. Não obstante, ela obedeceu, mas em relação às suas predecessoras julgava dever dizer: "Essas sabiam o que escreviam, eu, porém, Deus o sabe, realmente não sei o que estou escrevendo!" Talvez tenha escrito em estado de transe; seja como for, ela possuía o raro dom de escrever. Por isso, muitas vezes é representada com a pena na mão e com uma pomba, símbolo do Espírito Santo. Sentava-se à escrivaninha e, muitas vezes, a pena deslizava tão rapidamente sobre o papel que ela mal podia segui-la. De quando em vez, ela se queixa de se ter afastado do assunto. Escrevia no parco tempo livre de que dispunha; escreveu em estado precário de saúde e geralmente só à noite, mas escrevia de fôlego. Acontecia muito raro ter de riscar uma palavra ou ter de acrescentar uma correcção: seu espanhol é impecável.

As duas obras, Caminho da perfeição e Castelo interior ou moradas, não podem ser lidas como se lê uma poesia! Não são literatura no sentido comum do termo, porque não se destinam à distracção nem à mera informação. A compreensão dos seus escritos está ligada à prática: tornam-se incompreensíveis a todo aquele que não os toma como instrução para a vida. Ildefonso Moriones reconheceu-o muito bem, quando disse que "ela mesma se transformou no livro vivo".

Como sempre, as exposições de Teresa contêm valiosos conselhos. Ela era uma mulher de rara prudência, que tivera uma rica experiência em sua vida e soubera assimilar espiritualmente as suas vivências. Por esta razão, foi capaz de orientar as pessoas e dar-lhes conselhos oportunos. Em certa ocasião, deu o seguinte conselho a uma pessoa propensa à depressão: "Trate de, às vezes, passear tranquilamente ao ar livre, quando for acometida por esses sentimentos opressivos; por que eles dificultam a sua oração; é preciso que lutemos contra as nossas fraquezas de modo que a nossa natureza não fique prejudicada. Também esta é uma busca de Deus ... e é necessário que conduzamos nossa alma suavemente." Na orientação espiritual, Teresa não sugeria apenas passeios salutares, mas inculcava às suas monjas também a humildade. Humildade significava para ela estar na verdade. Indignava-se quando encontrava pessoas que não compreendiam a dignidade da própria alma. Era contra toda e qualquer violência que escraviza a alma e achava necessário certo grau de amor ao corpo, para que, da sua parte, fosse capaz de servir à alma. Uma alma não deve ser coagida nem podada sob medida, porque este modo de proceder só pode produzir uma existência truncada. "Porque, se falamos da alma, devemos combinar sempre com ela os conceitos de plenitude, amplitude e grandeza, nada disso é exagerado, porque a alma é capaz de abarcar muito mais do que nós somos capazes de imaginar". Este é um modo digno de falar da alma! Não se pode encontrar nela nada de rançoso, angustioso ou acanhado. Teresa sentiu toda a riqueza, amplitude e grandeza da alma; seu coração se alargara de verdade!

O Poder do Silêncio no Século XXI

Conferência de Alfredo Sfeir-Younis no Clube Literário do Porto

Numa sociedade dominada pelo ruído, é o "poder do silêncio que vai transformar a humanidade", devolvendo a paz mundial, sanando grande parte dos problemas e gerando uma nova consciência humana.

“Existe uma relação directa entre o barulho, a acção e o comportamento. Num mundo que perde o seu intelecto e se desmorona pelas suas emoções apenas o poder do silêncio permitirá ao espírito redefinir o destino da humanidade”. Para Younis, a interdependência é um conceito chave para se perceber o mundo e as soluções para os seus problemas, pessoais ou colectivos.

Alfredo Sfeir-Younis foi durante 29 anos economista do Banco Mundial, onde lançou os alicerces para uma economia ambiental. Foi director do escritório do Banco Mundial em Genebra. Foi ainda, representante especial para as Nações Unidas e para a Sociedade das Nações.
Actualmente é presidente do Instituto Zambuling para a Transformação Humana. Galardoado com o Lifetime Ambassador of Peace, o Peace Award, o World Healer Award, e o Social Corporate Responsibility Award.

Data: segunda-feira, 21 de Janeiro, às 21.30h
Local: Auditório do Ciclo Literário do Porto Rua Nova da Alfândega, 22 4050 - 430 PORTO
Informações: clubeliterario@fla.pt ou 222 089 228

Entrevista de Alfredo Sfeir-Younis no DN

Teresa O Corpo de Cristo

Título original: Teresa, el Cuerpo de Cristo
De: Ray Loriga
Com: Paz Vega, Leonor Watling, Geraldine Chaplin
Género: Drama histórico
Classificacao: M/12
ESP/FRA/GB, 2007, Cores, 97 min.

Castela, século XVI. Cansada de um mundo onde a subserviência aos homens é o destino das mulheres, onde elas não têm qualquer papel na sociedade, Teresa de Cepeda y Ahumada – órfã de mãe e com um pai fidalgo e rico – abraça um novo rumo para a sua vida. O seu desejo passa por ter uma vida mais culta e menos material. Através da leitura almeja conhecer os grandes pensadores.
Apesar de todas as tentativas de dissuasão por parte dos mais próximos, Teresa leva avante as suas ambições e entra para um convento.
Para Teresa este é o local onde os males dos Homens dificilmente entram, lá todas são iguais, não há pobres nem ricas, materialismo é algo que nem se vê, a perversão e luxúria são manifestações demoníacas.
Mas o começo da sua longa e desejada permanência naquele porto de abrigo, para as suas aspirações e para os seus desejos, logo vai revelar algo que nunca ousaria presenciar em tais paragens.

Se a sociedade de onde partiu a repugnava, sobre ela recaem sentimentos de raiva, de frustração, de desgosto quando é confrontada com uma realidade bastante semelhante àquela que decidiu deixar para trás.

Cedo se apercebe da escravidão imposta às jovens oriundas de meios mais pobres, praticada pelas freiras mais antigas. A intenção de se despojar dos seus bens materiais, assim como os que lhe são proporcionados, esbarra na intransigência da madre superiora em que tal não é possível nem desejável. Os pecados da lascívia, da imoralidade são demasiadamente recorrentes à sua vista, naquela que deveria ser a casa d'Ele.

Depois de tanta insatisfação e desilusão perante o que encontra, Teresa decide assim enfrentar todos esses males dedicando o resto da sua via a Cristo. Vai amá-Lo fielmente, vai sacrificar-se por Ele, vai sofrer na sua pele o que Ele sofreu. As visões que ela tem d'Ele vão-lhe dando ainda mais fé, ajudando a continuar a sua jornada.
Ele vai ouvir as suas preces encarnando-lhe o corpo fragilizado, mas se os jesuítas vêem em Teresa uma Santa, admirando o seu sofrimento, os responsáveis pela Inquisição não partilham a mesma visão. Para eles Teresa está possuída, o demónio tomou conta do seu espírito e do seu corpo. Com estas manifestações – ajudadas pelas leituras hereges – o seu destino aos olhos dos inquisidores já está traçado. A fogueira começa a ser acendida caso Teresa não se negue.
Para Teresa, a fé é maior que qualquer lenha crepitante pronta a queimá-la viva. A sua fé vai levá-la a fundar o seu próprio convento contra tudo e todos, cortando qualquer relação com o convento que achava imaculado, realizando os desejos que até aí lhe tinham sido negados.

Este filme realizado pelo espanhol Ray Loriga, que retrata a vida da fundadora da Ordem das Carmelitas Descalças, já foi criticado pelos altos representantes da Igreja Católica em Espanha. A razão está na relação carnal entre Santa Teresa e a figura de Cristo.
A película é interpretada por Paz Veja (Espanglês) e por Leonor Watiling (Fala com Ela).

Site oficial: www.teresalapelicula.com

Entrevista a Philip Gröning, realizador do documentário "O Grande Silêncio"



Philip Gröning, realizador do filme O Grande Silêncio, que mostra a vida dos monges da Grande Cartuxa, em Grenoble, visitou a Cartuxa de Évora antes do lançamento de "O Segredo da Cartuxa" (edição Pedra da Lua), de Paulo Moura e Nacho Doce. Entrevista ao realizador, que comparou os dois mosteiros e falou entusiasmado do livro.

O superior da ordem vem ao portão, pega-lhe no braço e condu-lo em direcção à igreja. Vamos atrás, depois de alguma hesitação, mas é para ele que vai toda a atenção de cicerone. Acabada a explicação histórica sobre o edifício, mandado construir durante a ocupação espanhola, mas que sofreu, em 1834, a sanha anti-religiosa do “mata-frades” Joaquim António de Aguiar faz-nos um resumo do que disse e dá-nos a perceber que só Philip poderá penetrar no interior do mosteiro.

Philip Gröning, 46 anos, é o autor do filme O Grande Silêncio, que dá a conhecer o dia-a-dia dos monges da Grande Cartuxa, em Grenoble. O filme, que acabou de sair em Portugal em formato DVD e teve um milhão de espectadores na Europa (para lá da sua exibição em televisões), começa agora o circuito das Américas.

Familiares levaram cópia do filme aos monges da Cartuxa de Évora, que gostaram do trabalho. Por isso disseram de imediato que sim, quando - impossibilitado de estar presente no lançamento do livro, esta terça-feira – o realizador se mostrou interessado em visitar o mosteiro, com cujas imagens e estilo de vida tomou contacto através do texto de Paulo Moura e das fotos de Nacho Doce.

Público - Que diferenças sentiu entre esta Cartuxa e a Grande Cartuxa?

Philip Groning - Esta é muito amigável, clara e luminosa. Há um jardim fantástico no meio, como um pedaço de paraíso, muito simples. Fora, pensa-se que há um grande luxo, como na igreja, mas no claustro e nas celas não há nada. É de uma simplicidade e de uma harmonia perfeitas.

Público - Mais que na Grande Cartuxa?

Philip Groning - Sim, porque é mais luminoso. Na Grande Cartuxa vê-se que todo o edifício tem que se defender muito contra a neve, contra o frio. O claustro é fechado por boas razões: por vezes, no Inverno, há três metros de neve. Se não estivesse fechado, não se podia passar. Aqui, tudo é aberto e há um pequeno jardim com laranjeiras e uma fonte de água...


Público - Os monges viram o filme e ficaram frustrados, porque consideraram que teria sido melhor fazer o filme aqui. Teve a mesma sensação?

Philip Groning - Eu comecei por pedir autorização a Morieux, [cartuxa] no sul da França. É muito semelhante à de Évora. É uma pequena organização agrícola com um mosteiro, mais pequena do que esta. É muito luminosa também e quando, no primeiro momento, me disseram que me davam permissão de filmar na Grande Cartuxa, pensei que era pena não ter autorização para o fazer em Morieux.
Mas, para fazer o filme, essa era já uma primeira aproximação séria ao modo de viver dos monges: a regra número um deles é a obediência e se a ordem me pedia que fizesse o filme na Grande Cartuxa, eu devia fazê-lo.

Público - Nunca poderia ser completamente diferente: ser monge aqui ou na Grande Cartuxa não é a mesma coisa?

Philip Groning - Em princípio é a mesma coisa. Mas o silêncio é diferente, porque aqui ouvem-se mais os pássaros. Em Grenoble, [o local] é mais elevado e agora, em Dezembro, há um metro de neve. A regra é a mesma em todo o lado e a estrutura principal das células também. Mas, para um monge contemplativo, a natureza é muito importante, porque, como não se está todo o tempo em contacto com seres humanos, ver as plantas, os pássaros, as nuvens, o sol, a luz, tudo isso é muito importante. A vida de um monge que vive no frio é diferente da de um monge que vive num país quente.

Público - É por isso que também se sente no filme que mesmo os pequenos objectos e as coisas do quotidiano têm uma grande importância?

Philip Groning - Sim. Vivi lá durante meio ano e experimentei que, quando não se fala e não se ouve falar, os objectos, presença do mundo, têm uma importância muito aguda, muito viva. É a única coisa que, de certa maneira, faz viver, porque são o único elemento com que se está em contacto nesse momento. Filosoficamente, apercebemo-nos que é um milagre sem explicação que haja qualquer coisa em vez de não haver nada.

Público - Encontrou-se com os monges?

Philip Groning - Não, aqui não, vi um irmão que trabalhava. É a regra do silêncio. Falei com o procurador, mas com outros não falei. Saudámo-nos, mas sem falar.

Público - Já esteve em outros mosteiros?

Philip Groning - Estive em Morieux, na Grande Cartuxa, em Porte e na Vintcente, na Suíça.

Público - O que o faz correr para esses lugares? Procura Deus?

Philip Groning - Sim, procuro Deus. No início, queria fazer o filme e procurava um lugar para o fazer. Agora, em visita, isso traz-me a recordação do que foi viver no mosteiro – uma experiência muito boa e muito forte, e que se deseja ver começada noutro mosteiro. Mas não sou turista de mosteiros.

Público - É realizador, quis fazer um filme para dizer o quê às pessoas?

Philip Groning - Um filme conseguido abre o espaço às pessoas para que encontrem a sua própria questão. Um filme que é verdadeiramente bom não diz isto ou aquilo, isso é idiota, mas um filme bom coloca-nos num campo de tensão entre o silêncio, o barulho, o ritmo, a ausência das palavras, a ausência de Deus, a presença de Deus, e cada um pode procurar o seu caminho por dentro.

Público - No filme há duas seduções: a do realizador por este tipo de vida e a que se sente nos monges pela fé e por Deus. O filme foi também para falar dessas seduções?

Philip Groning - Eu coloquei uma frase [bíblica] no filme sobre a sedução [“Tu me seduziste, Senhor, e eu deixei-me seduzir”]. A sedução é uma palavra que tem um significado diferente conforme os países. Na América, é uma coisa muito má, na Alemanha é muito bela, ser seduzido é mesmo uma das coisas mais belas. Para mim, essa frase traduz a sedução positiva, no sentido de uma pessoa se abandonar a qualquer coisa e abrir-se completamente a uma influência, de se abrir um espaço da alma ao que vem do mundo e da vida. Para mim, é uma das coisas mais importantes para viver e para ser feliz, abrir-se nesse sentido, deixar-se seduzir.

Público - Qual é a sedução, no mundo veloz em que vivemos, de um tipo de vida como esta, quase inútil, pois eles não dão nada à sociedade?

Philip Groning - Felizmente. Mas eles dão qualquer coisa. É um pouco como um farol que não está lá para irmos ao encontro dele, mas para sabermos que, onde se vê luz, há terra. A função dos monges na sociedade é antes mostrar que – vocês como jornalistas, eu como realizador ou alguém como advogado ou operário – podemos mudar a nossa própria concepção do que é um ser humano, quando sabemos que esta é também uma decisão que se pode tomar e ser-se feliz com ela.
De repente, vê-se de forma diferente a nossa função como ser humano. Vemos, por exemplo, que não é necessário ser-se útil para se ser feliz. Não há nenhuma relação racional entre essas duas coisas. É complicado, mas a sedução de uma vida como a deles está em que se trata de uma vida incrivelmente radical e totalmente concentrada numa verdade. No seio de todas as religiões há sempre a busca de uma verdade absoluta. E isso é muito sedutor, hoje, porque o que é sedutor permanecerá sempre sedutor. Há também a grande sedução de não deixar que o tempo seja ocupado pelos aspectos consumistas da sociedade, que são sobretudo considerações de medo: Será que estou suficientemente bem vestido? Será que ganho dinheiro suficiente? Comprei o Mercedes certo ou um Mercedes que não é nada cool? Tudo isso é desperdício de tempo. A sedução deste tipo de vida é que ele dá a liberdade de esquecer tudo isso e dá verdadeiramente tempo para pensar o que fazemos na vida.

Público - Há alguém, na cena extra da produção do licor, que diz que os monges estão no cruzamento entre o conhecimento e a ciência. É esse conhecimento e essa ciência que nos faltam, aos que estamos fora?

Philip Groning - Quem diz isso não é um monge, um monge nunca dirá tal. Os monges dirão apenas que procuram fazer o seu melhor, talvez que estão a tentar ensaiar algo como colocar-se o mais próximo possível diante de Deus. Claro que nunca poderemos dizer que chegámos aí. Eles serão muito mais modestos, dirão que tentam fazer o melhor.

Público - Porque não ficou no mosteiro?

Philip Groning - Sinto-me sempre um pouco tentado. Agora, quando entrei no mosteiro, pensei de novo que gostaria de ficar ali por dois meses. Para viver lá, simplesmente, ou para escrever um guião... Aliás, é uma tendência frequente de muitos artistas, que trabalharam em conventos.

Público - Foi uma surpresa o sucesso do filme junto do grande público?

Philip Groning - Por um lado, não. Quando se é cineasta, pensa-se sempre que o próximo filme será um grande sucesso. Normalmente, o público não pensa assim...

Público - Mas já pensava assim, com este filme tão radical?

Philip Groning - Penso sempre que é preciso ser radical para ter sucesso. Talvez por isso eu não tenha sucesso como outros. Percebi que há muitos filmes sobre meditação no quadro asiático e pensei dar ao público europeu um filme que diga que isso é também possível no quadro da nossa cultura, pensei que haveria muita gente que o iria ver. Porque há qualquer coisa estranha nesta orientação para o budismo, o esoterismo, etc. É como se as pessoas dissessem: quero que alguém me ajude a ser completamente eu mesmo, mas quero também ser alguém completamente outro. É muito mais fácil encontrar o desejo em religiões muito distanciadas. Posso imaginar-me facilmente ser budista completamente feliz porque não tenho recordações de ser uma criança budista que discutiu com os sacerdotes budistas; no entanto, recordo-me de discutir com os padres católicos. Pensei então que, se fizesse um filme onde o público se colocasse em contacto consigo mesmo, de modo mais profundo, haveria muita gente que o iria ver.

Público - Porque decidiu filmar o olhar e os rostos dos monges para a câmara? Há ali uma dimensão estética do corpo...

Philip Groning - Filmei isso no início da rodagem. Dei comigo tão intimidado pelo silêncio que quase não me mexia e me escondia um pouco. Percebi que não se pode fazer um filme se não se quer ser visível.
Há um contraste entre a vida dos monges e a presença de uma câmara, um contraste muito forte. Não posso esconder-me. Então, era melhor colocar o contraste bem forte e dizer: se convidaram uma câmara, ela está aqui agora, olhem para ela. Isso ajudou-me a sentir-me à vontade e pensei que ajudaria o público a perder o sentido de voyeurisme, porque nunca ninguém pode lá entrar. Colocando os monges a olhar o público, a pessoa percebe que eles podem olhar cada um mais tempo do que cada espectador os olha.

Público - Eles aceitaram facilmente?

Philip Groning - Não todos, houve alguns que não quiseram ser filmados, mas [os outros] aceitaram facilmente. Para eles, uma câmara não tem a mesma importância que para nós, porque eles não são tão vaidosos, não é importante que eles estarem bonitos na televisão e os amigos comentarem.

Público - Há uma frase no filme que diz: “Em Deus não há passado, só presente.” Mas esta é uma ordem sobretudo do passado...

Philip Groning - É o velho monge cego que diz isso, em relação à morte. Ele não receia a morte, porque vem imediatamente a vida do além, porque o tempo só existe para nós como seres humanos. Mesmo para nós, existe de um modo muito contraditório. A única coisa que existe verdadeiramente é o presente e todas as outras coisas são objectos de memória. Mesmo a concepção do futuro: a imagem que se tem está numa recordação. O que ele quer dizer é que a única coisa que existe é o presente.

Público - É religioso?

Philip Groning - Sou.

Público - Católico?

Philip Groning - Recebi uma forte educação católica. E sou católico de uma certa maneira. Mas não estou de acordo com todas as coisas da Igreja, naturalmente.

Público - É mais católico hoje do que era antes de passar seis meses na Grande Cartuxa?

Philip Groning - Mais, muito mais. Antes, tinha muitas dificuldades. Pensava que a Igreja Católica se concentrava demasiado nas questões da confissão, da culpabilidade, do pecado. No mosteiro percebe-se que para os monges o importante é o sentido da graça, da felicidade. Para eles é um facto extraordinário que haja vida. Vivermos é uma graça, um presente de Deus.

Público - Já viu o livro de Paulo Moura e Nacho Doce?

Philip Groning - Sim. Gostei imenso. Acho que eles captaram a incrível individualidade dos monges, que são, enquanto indivíduos, realmente diferentes uns dos outros. Captaram também a luta interior deles para chegarem a um fim tão alto, ao mesmo tempo que, enquanto seres humanos, têm dificuldades, cometem faltas, têm momentos de fraqueza, escapam um pouco às regras. Capta ainda muito bem uma espécie de calor, de felicidade dos monges, que não são pessoas tristes. Achei ainda fantástica a produção do livro: o grafismo, o papel, tudo foi feito com enorme cuidado. Como os objectos que os monges produzem: coisas simples, mas muitíssimo bem feitas nos pequenos pormenores.

Adelino Gomes, António Marujo
in Público, 20.12.2007
Publicado em 27.12.2007

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-Curso online gratuito - Curso de Teología del Pluralismo Religioso (em espanhol)

HÔGEN YAMAHATA

CAVANDO UM POÇO PARA ALCANÇAR UM CÉU AZUL

Quando estamos, por exemplo, nos Alpes, a escalar altas montanhas, não nos encontramos com nenhuma nuvem, até alcançarmos uma determinada altitude. Quando voamos num avião a milhares de metros de altitude, podemos observar nuvens por cima de nós, assim, de repente, entramos nelas, e finalmente alcançamos na máxima altitude, o vazio do céu azul.

De igual modo, na nossa prática de meditação, podemos chegar a uma etapa na qual encontramos muitas classes de nuvens: pensamentos, ideias, ilusões, emoções e inclusivamente, às vezes, vividas formas e paisagens extra-sensoriais (Makyô). Devido a uma inumerável acumulação de todas as nossas experiências passadas e da história guardada na nossa consciência-armazém (caixas Kármicas), às vezes, algumas recordações passadas ou ilusões podem aparecer diante da nossa visão.

Tais nuvens aparecem em um ou outro ponto da nossa ascensão. Mas se, de forma penetrante, continuamos a ascender, alcançamos o mais alto céu, livre de toda a nuvem de fantasias, miragens e ilusões, onde é possível descobrir o verdadeiro milagre deste último encontro do Aqui-Agora.
Este é o mais alto e ilimitado céu azul que alcançamos, passo a passo, na posição sentada: Simplesmente um céu azul sem fim que nos abraça e penetra todos os seres. Não há nada melhor, nem mesmo nas mais belas formas de nuvens que amiúde nos enamoramos. E a única realidade em que estamos é definitivamente melhor que milhares de sonhos agradáveis e fantásticos.

A NOSSA TAREFA MAIS URGENTE É REGRESSAR E NOS SENTIRMOS COMO QUE EM CASA NESTA PAZ ÚLTIMA DO VAZIO. ESTAMOS A CAVAR O NOSSO PRÓPRIO POÇO PARA ALCANÇAR O MAIS PROFUNDO CENTRO SEM MENTE DA TERRA. AÍ JÁ NÃO EXISTE FRONTEIRA INDIVIDUAL, OU LIMÍTES, NEM SEPARAÇÃO DE ALGUM TIPO, NEM LUTA DO EGO, NEM IDEIA ILUSÓRIA EM ABSOLUTO, SIMPLESMENTE SURGE A MAIS PURA ÁGUA, QUE HUMEDECE O DESERTO DO MUNDO DO HOMEM.

HÔGEN YAMAHATA, no livro " Folhas Caem, Um Novo Rebento "

Sobre o autor

Encontro Inter-Religioso de Meditação

Lentamente, tambem há em Portugal quem ponha em prática iniciativas de diálogo inter-religioso. Como Aqui. Neste caso particular é no encontro de diferentes sensibilidades espirituais de abordar e praticar a meditação, que é dado mais um passo para o sonho da construção de um mundo espiritualmente globalizado onde todos podemos ser verdadeiros irmãos. E mais próximos e atentos, mediados por corações abertos e confiantes, será porventura mais fácil sermos mais justos e menos indiferentes. Talvez com menos dogmas para discutir, ainda que um possa multiplicar-se na sua prática constante: Ser Solidário.

Einstein e Buda - Palavras Comuns 1

"Os seres humanos só poderão alcançar uma vida harmoniosa e gratificante se conseguirem renunciar, dentro dos limites da natureza humana, ao esforço de satisfazer os desejos de ordem material."
Albert Einstein

"O homem, acossado pelo desejo, corre atabalhoadamente como uma lebre apanhada num laço; que o monge repudie, pois, o seu desejo, esforçando-se por anular a s suas paixões."
Buda
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"Toda a nossa ciência, confrontada com a realidade, é primitiva e infantil."
Albert Einstein

"Calcula aquilo que o homem sabe e não haverá comparação com aquilo que ele não sabe."
Chuang Tzu

Fonte: Einstein e Buda - Palavras Comuns. Onde os grandes cientistas e os mestres espirituais se encontram. Livro de Thomas J. Mcfarlane.

Cartuxa de Évora 2

Os monges do silêncio

O Grande Silêncio - Realizador Philip Gröning

"O Grande Silêncio" é o primeiro filme sobre a vida interior da Grande Chartreuse, casa-mãe da Ordem dos Cartuxos, uma meditação silenciosa sobre a vida monástica. Dezassete anos depois de ter pedido autorização para filmar no mosteiro, é dada autorização para entrar ao realizador, que filmará a vida interior dos monges cartuxos. Sem música à excepção dos cânticos do mosteiro, sem entrevistas, nem comentários, ou artifícios. Evocam-se unicamente a passagem do tempo, das estações, os elementos repetidos incessantemente durante o dia ou as orações. Um filme sobre a presença do absoluto e a vida de homens que dedicam a sua existência a Deus. O filme ganhou os Prémios de Melhor Documentário no Festival de Sundance e nos Prémios Europeus do Cinema.

"SÓ EM COMPLETO SILÊNCIO SE COMEÇA A ESCUTAR"

Ordem dos Cartuxos - Cartuxa de Évora


A Ordem dos Cartuxos (do latim Ordo Cartusiensis, O.Cart.) é uma ordem religiosa católica semi-eremítica fundada em 1084, por São Bruno, em França.

No passado, esta ordem religiosa dividia-se em dois grupos: os padres e os irmãos leigos. Cada monge tinha acesso à sua própria cela a qual, poucas vezes, abandonava. Três vezes por semana não comiam pão, água ou sal e faziam, muitas vezes por ano, longos jejuns. Os monges cartuxos permaneciam sempre num regime de estrito silêncio e o consumo da carne e do vinho eram-lhes proibidos.
Presentemente, os monges cartuxos continuam ainda a prática, com pequenas modificações, de tal austeridade.

Em Portugal, ainda existe um mosteiro desta Ordem onde se praticam tais costumes, é o Convento de Santa Maria Scala Coeli, em Évora. No Brasil existe também um mosteiro cartuxo, na cidade de Ivorá, RS.

Página oficial da Ordem dos Cartuxos

O Segredo da "Oração de Jesus" 1

A Oração de Jesus, também chamada Oração do Coração, é uma oração curta cuja fórmula é orar de forma repetida. Foi amplamente praticada, ensinada e discutida através da história do Cristianismo Oriental. As palavras exactas da oração variam da forma mais simples, como Jesus tende piedade à forma mais estendida: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador.
A Oração de Jesus é, para os ortodoxos orientais e os católicos orientais, uma das orações mais profundas e místicas; é frequentemente repetida continuamente coma parte de uma prática ascética. Apesar de existirem muitos textos da Igreja Católica sobre a Oração de Jesus, a sua prática nunca atingiu a mesma popularidade da Igreja católica ortodoxa.

Alguns entusiastas defendem a sua origem até aos apóstolos, mas julga-se que não é possível encontrá-la, com as suas características actuais, antes do Século XIII. No entanto, tendo em conta a natureza da Oração de Jesus, descobrimos a sua origem no ambiente de busca de uma oração contínua que abarca intensamente a história espiritual dos primeiros séculos cristãos, particularmente na peregrinação dos Padres do Deserto.

É doutrina comum da vida monástica primitiva a procura do ideal da oração contínua. Santo António do Egipto (250-356) que ficou na história como o pai dos monges dizia que «rezava constantemente, pois tinha aprendiddo que era necessário rezar incessantemente em privado».
A aspiração a uma oração incessante revela-se em orientações como as de São Paulo que exorta a viver «perseverantes na oração" (Rom 12,12) e a orar «sem cessar» (1Tes 5,17).

Esta oração é perfeita como um mantra de meditação cristã. Um outro seu significado sugere a atenção consciente ao nosso interior quer no plano formal da repetição da oração, quer na frutificação da sabedoria do coração em todos os momentos presentes. Com a repetição desta oração simples podemos em qualquer momento despertar uma atitude positiva para o momento presente. Assim invocar permanentemente Jesus é para os cristãos aproximar-se da realidade tal como é, experimentar com coragem o universo criado, e não menos importante, aceitá-lo. Uma das descobertas valiosas com esta prática é sentir o fortalecimento da confiança na compaixão de Deus, que nos acompanha a todos, sem excepção, subtilmente pelas várias civilizações e gerações.